[Especial]

Amanda Miranda lança livro com ilustrações para a imprensa; confira entrevista com a autora

15 junho 2025
Por Fora do Plástico


Há oito anos ilustrando jornalismo, Amanda Miranda percebeu que já tinha centenas de desenhos produzidos nesse período, enquanto organizava seus arquivos. Parte dessas ilustrações foi reunida no livro “Descida aos Infernos”, coletânea lançada pelo selo O Grito! HQ que compila cerca de 50 trabalhos realizados pela artista entre 2018 e 2025 para veículos como O Globo, Agência Pública, UOL e Intercept.

“Revisitar esse material me fez lembrar que trabalhar com jornalismo me apresentou a possibilidade de que desenhos podem ser mais do que só uma ferramenta de marketing, que o meu trabalho poderia servir para ampliar mensagens e causas das quais eu me importo“, revela Amanda ao Fora do Plástico. O papel das ilustrações no jornalismo é o tema de uma entrevista que compõe “Descida aos Infernos”, em que a autora conversa com o designer gráfico e ilustrador Rodrigo Bento. Além disso, o livro traz textos dos jornalistas Andrea Dip, Bruna de Lara, Bruno Sousa, Paula Bianchi e Nayara Felizardo, que introduzem as temáticas dos trabalhos apresentados. O prefácio é assinado pela quadrinista e jornalista Carol Ito.

PUBLICIDADE
Divulgação Amanda Miranda

O livro costura artes que estamparam matérias que abordam assuntos importantes no contexto político e social do Brasil nos últimos anos, como direito à terra, racismo, ascensão da extrema-direita, sistema penitenciário, direitos reprodutivos e corrupção no judiciário. “O processo de curadoria dessas imagens torna observável o meu percurso pessoal de desenhista, mas também se torna um registro de memória desses anos turbulentos“, conta Amanda.

Conhecida no meio dos quadrinhos por suas HQs “Juízo” (Independente/2023), “A Urna” (Monstra/2022), o Ugrito “Aparição” (Ugra/2021), “Sonhe Comigo” (Independente/2024)  e uma das histórias da coletânea “Braba” (Mino/2024), Amanda Miranda considera quadrinhos e ilustração para imprensa mundos muito diferentes. “O que há de similar é o intuito narrativo, que em jornalismo se torna também informativo. Acredito que toda minha bagagem enquanto pessoa e artista transmídia está sempre presente no meu trabalho”, explica. A autora considera que a movimentação entre linguagens enriquece os resultados de seu trabalho, “porque passa por lógicas e métodos distintos e às vezes trazer um pouco desses métodos e estéticas alienígenas para o jornalismo pode criar resultados interessantes”, conclui.

Na próxima quinta-feira (19), “Descida aos Infernos” receberá um evento de lançamento na Ugra Press (Rua Augusta, 1371, loja 116, na Galeria Ouro Velho), a partir de 16h. Haverá bate-papo entre Amanda Miranda e a também ilustradora e quadrinista Ing Lee, seguido de sessão de autógrafos. Já entre os dias 20 e 21 de junho, a autora participa como expositora na Poc Con, evento que será realizado no Centro de Eventos São Luís, em São Paulo. No dia 20, às 15h30, a artista fará parte da mesa “Mercado de ilustração”, durante o evento.

O livro foi um projeto realizado com recursos da Política Nacional Aldir Blanc, por meio do Ministério da Cultura, Governo Federal, Secretaria Municipal de Cultura e Turismo e Prefeitura Municipal de Santa Bárbara d’Oeste.

Divulgação Amanda Miranda

Papo com a autora

Confira a entrevista na íntegra ao Fora do Plástico, em que Amanda Miranda dá mais detalhes sobre sua carreira como ilustradora para veículos de imprensa e o processo de desenvolvimento de “Descida aos Infernos”.

Fora do Plástico: Você já havia publicado alguns quadrinhos e agora lança esse compilado das suas ilustrações para veículos de imprensa. Como foi o processo de conceber esse projeto?

Eu ilustro jornalismo há oito anos, foi organizando arquivos que me dei conta que existiam mais de 100 ilustrações feitas durante esse tempo. Um período em que o país esteve muito instável, passamos por traumas coletivos, à beira do precipício tantas vezes, nos deparando com repetições de erros intermináveis. Então o processo de curadoria dessas imagens torna observável o meu percurso pessoal de desenhista, mas também se torna um registro de memória desses anos turbulentos.

Revisitar esse material me fez lembrar que trabalhar com jornalismo me apresentou a possibilidade de que desenhos podem ser mais do que só uma ferramenta de marketing, que o meu trabalho poderia servir para ampliar mensagens e causas das quais eu me importo. Me sinto muito sortuda por ter colaborado com tantos profissionais sérios e dedicados, por esse motivo quis incluir textos de alguns dos jornalistas que ilustrei com maior frequência.

Então o livro se formou assim: um exercício de revisitar essas mais de cem obras, selecionar as mais pertinentes, observar padrões e separar entre temas, de forma que o livro pudesse servir como ferramenta para incitar debates, pensando muito no livro como uma ferramenta na cidade em que cresci, que foi onde recebi em primeiro lugar o edital PNAB. Cada capítulo conta com textos de jornalistas especialistas nos temas listados. O capítulo de extrema direita conta com texto de Andrea Dip, feminismo com Bruna de Lara, Racismo com Bruno Sousa, meio ambiente com Paula Bianchi e corrupção com Nayara Felizardo.

Divulgação Amanda Miranda

Fora do Plástico: Ilustrações para a imprensa devem ter um poder de síntese, sem perder o impacto. Como você ingressou nesse segmento e encontrou a sua identidade nele?

O diretor de arte do Intercept viu uma ilustração minha na internet e me convidou para fazer uma ilustração que acompanharia uma reportagem do Bruno Sousa, o diário de um jovem negro morando numa favela do Rio durante a intervenção militar decretada por Temer, em 2018.

O processo foi novo não só pra mim, o Bruno na época era estagiário, e o formato do texto que mirava no diário também era bem diferente do comum no jornal. O Bento (na época diretor de arte do Intercept, que colabora no livro no posfácio) depois me disse que foi enquanto o texto era preparado que eles perceberam que mais imagens seriam necessárias, e que essas imagens poderiam servir para ambientar o leitor, deixar ele mais próximo da realidade retratada na matéria.

Até hoje é um dos meus projetos favoritos, é muito impressionante como ele se transformou, o tanto que aprendi nesse processo. Um projeto de formação mesmo. É notável também que a partir dele esse esquema de narrativa imagética nos textos do Intercept também mudou, eu fiquei ilustrando matérias só assim por um bom tempo, ficou recorrente reportagens com até quatro ilustrações. Acho que de certa forma isso faz parte do desenvolvimento de estilo, de um trabalho que se expande junto com o texto.

Fora do Plástico: Algo bastante marcante do seu trabalho é um apreço pelo gore, por acrescentar elementos que soam lúdicos ou fantasmagóricos, em meio à realidade. De onde vêm essas referências?

Eu sou uma quadrinista e desenhista de horror que ama gore, mas no jornalismo eu não utilizo essa inclinação, a não ser que seja para criar uma caricatura dos personagens mais poderosos da política e do empresariado, nestes casos específicos me inspiro nas características pop da linguagem dos quadrinhos, das capas Pulp, dos filmes de horror b. Isso pode ser visto nos meus desenhos do ex presidente Jair Bolsonaro, na HQ A Urna, nos retratos de que fiz de desmatadores e frequentadores de clubes de tiro. Mas no meu trabalho ilustrando histórias reais de sobreviventes e vítimas, eu preciso dedicar toda minha sensibilidade e empatia, buscando metáforas visuais que poupem pessoas que já sofreram muito no mundo real, que não merecem ter sua imagem marcada reproduzindo essas violências.

Divulgação Amanda Miranda

Fora do Plástico: Ainda nesse assunto, podemos dizer que suas ilustrações carregam muita simbologia. Como é o seu processo criativo para chegar em resultados tão icônicos?

É um processo de escuta atenta, leitura e pesquisa. Mesmo com os prazos apertados da área, preciso pesquisar e ler o material, fazer exercícios em rascunhos.

Em uma matéria como a da menina de onze anos de SC, que sofria abusos há muito tempo e engravidou do abusador, eu busquei algo subjetivo e amplo, com significados abertos, porque o desenho acompanhava a história e a realidade já era cruel o suficiente. Não tem motivo para eu querer desenhar algo mais chocante que o relato, porque essa vítima pode se deparar com esse desenho. Eu não quero que ela se sinta violentada novamente vendo uma imagem que eu criei.

Fora do Plástico: De alguma forma, ser quadrinista influencia seu trabalho com ilustrações? Há algo da Amanda quadrinista que você carrega quando é contratada para fazer uma ilustração para uma reportagem?

São mundos muito diferentes, o que há de similar é o intuito narrativo, que em jornalismo se torna também informativo. Acredito que toda minha bagagem enquanto pessoa e artista transmídia está sempre presente no meu trabalho. Essa movimentação entre linguagens enriquece os resultados, porque passa por lógicas e métodos distintos e às vezes trazer um pouco desses métodos e estéticas alienígenas para o jornalismo pode criar resultados interessantes.

Gostou da leitura? Ajude o Fora do Plástico

Você não precisa de muito para contribuir com o Fora do Plástico. A partir de R$5,00 mensais, ou seja, um cafezinho, você já está nos ajudando a manter o Fora Plástico.
Quero Apoiar
Carrinho atualizado
PUBLICIDADE