
Quando Luiza de Souza, a Ilustralu, foi convidada como uma das representantes do Brasil na Feira Internacional do Livro de Havana, a sensação para a artista foi como fazer parte da “seleção brasileira” de quadrinhos. A autora de “Arlindo”, um dos grandes sucessos dos quadrinhos nacionais dos últimos anos, desembarcou em Cuba em fevereiro de 2024, ao lado de outros quadrinistas como Marcelo D’Salete, Gidalti Jr., Alcimar Frazão, João Pinheiro e Sirlene Barbosa.
Da cor do mar do Caribe aos assombros de um quarto de hotel repleto de móveis antigos, a quadrinista potiguar registrou cada detalhe em um diário de viagens, transformado no zine “Cuba Libre”. Disponibilizado em março para os assinantes de sua campanha de financiamento coletivo no Catarse, o quadrinho transmite ao leitor a sensação de acompanhar os passos da artista em solo cubano, mesmo que mais de um ano depois da viagem.
“Eu escrevi tudo enquanto estava por lá, a maioria das páginas foi desenhada à medida que a viagem ia acontecendo. Eu costumava acordar bem cedo (e passava o mínimo de tempo possível no quarto por conta do possível fantasma citado no zine), ia pro jardim do hotel que tinha uma vista belíssima pro mar e tentava registrar as coisas que me lembrava do dia anterior”, explica Luiza. Já os desenhos dos trechos que eram apenas anotações feitas em Cuba foram ilustrados em fevereiro de 2025, quando sua passagem pelo país iria fazer aniversário. Para isso, ela retornou às fotos em busca de recuperar as lembranças e matar um pouco da saudade.
Ao mesmo tempo que é episódico, cheio de experiências e situações distintas vividas pela quadrinista, “Cuba Libre” possui um fio narrativo sutil. Para Ilustralu, o fio que conduz a história é a ideia de “olhar a vida com olhos de turista”. Olhos que reparam cada detalhe, que tentam absorver todas as memórias, vindo de quem está ao mesmo tempo longe e perto daquela realidade. “Ouvi muito do álbum novo do Bad Bunny enquanto produzia e pensava na história, na vivência desse país, desse povo, dessa gente que parece tão distante da gente mas ao mesmo tempo tão próxima”, conta a autora.
A leitura de “Cuba Libre” é uma experiência íntima, como a quadrinista projetou que fosse. “É um zine literalmente escaneado do caderno que levei. Feito na ponta do mesmo lapinho do começo ao fim. Acho que a ideia foi essa sensação de aconchego e intimidade que dá olhar o caderno de uma outra pessoa. Espero ter conseguido causar essa sensação”.
Desenhar os momentos da viagem, desde o embarque, pode parecer um exercício intuitivo para quadrinistas, mas no caso de Luiza é também uma atividade inspirada pelo apreço por diários de viagem. Alguns serviram de referência para o que viria a ser “Cuba Libre”, como é o caso de “Nos Vamos”, da equatoriana Power Paola. “Nele ela registra sua passagem por diversas cidades latino-americanas e histórias autobiográficas”, explica Ilustralu.
As inspirações não param por aí: “‘Orange Ginger Jam Zine’, de Fran Meneses, também é um diário de viagem lindo demais, que registra a viagem de Fran (que é imigrante num país europeu) pra casa da família dela, no Chile, agora como visita, nessa dinâmica de voltar pra própria casa com olhos de turista. Ah, e os diários de viagem de Romolo, ter cadernos como os dele é meu sonho de princesa”, brinca.
Depois da publicação de “Cuba Libre”, Ilustralu tem mais um zine no forno. Descrita como uma obra sobre amores passageiros, viajantes e pastel, “Tangará” será disponibilizado para os apoiadores do Catarse da autora em junho. Confira a capa em primeira mão.
Papo com a autora
Confira a entrevista na íntegra ao Fora do Plástico, em que Ilustralu revela os bastidores de “Cuba Libre”.
Fora do Plástico: Como foi a produção da HQ? Você ia selecionando aquilo que sentia que tinha potencial de registro e depois colocava tudo no papel? Ia desenhando algumas coisas enquanto tudo acontecia?
Eu escrevi tudo enquanto estava por lá, a maioria das páginas foi desenhada à medida que a viagem ia acontecendo. Eu costumava acordar bem cedo (e passava o mínimo de tempo possível no quarto por conta do possível fantasma citado no zine), ia pro jardim do hotel que tinha uma vista belíssima pro mar e tentava registrar as coisas que me lembrava do dia anterior. E aí agora em fevereiro, quando tava pertinho de completar um ano da viagem, resolvi desenhar as coisas que só tinha anotado – olhar as fotos e matar um pouco da saudade do lugar.
Mesmo que seja um quadrinho feito de episódios da viagem, existe uma linha narrativa que nos conduz pela sua “jornada”. Como foi encontrar esse fio?
Acho que o fio que conduz a história do quadrinho é a ideia de olhar a vida com olhos de turista – que repara em cada parte boa e tenta guardar na memória – mas que também é capaz de sentir o que não era tão bom como quem se sente em casa. Uma pessoa que não é dali, não veio pra ficar, mas que consegue olhar pras coisas e ser afetada por elas pro resto da vida. Ouvi muito do álbum novo do Bad Bunny enquanto produzia e pensava na história, na vivência desse país, desse povo, dessa gente que parece tão distante da gente mas ao mesmo tempo tão próxima.

Há muito dos diários de viagem neste quadrinho. Você teve alguma inspiração específica?
Eu gosto muito de diários de viagem e alguns deles me inspiraram muito. “Nos Vamos” de Power Paola com certeza é uma das maiores influências, nele ela registra sua passagem por diversas cidades latino-americanas e histórias autobiográficas. O “Orange Ginger Jam Zine” de Fran Meneses também é um diário de viagem lindo demais, que registra a viagem de Fran (que é imigrante num país europeu) pra casa da família dela, no Chile, agora como visita, nessa dinâmica de voltar pra própria casa com olhos de turista. Ah e os diários de viagem de Romolo , ter cadernos como os dele é meu sonho de princesa.
É possível dizer que este é um quadrinho feito no calor do momento, certo? Você chegou a editá-lo ou revisitar essas páginas com outro olhar depois ou optou por manter tudo como foi feito, para ser fiel à experiência?
É um zine literalmente escaneado do caderno que levei. Feito na ponta do mesmo lapinho do começo ao fim. Acho que a ideia foi essa sensação de aconchego e intimidade que dá olhar o caderno de uma outra pessoa. Espero ter conseguido causar essa sensação.
Você fala sobre isso na HQ, mas não poderia deixar de colocar em uma pergunta. Como foi fazer parte da “seleção brasileira” dos quadrinhos e representar o país nessa missão?
Eu tenho um amor gigante pelo quadrinho brasileiro. Pra mim o quadrinho que se faz no Brasil, nossos roteiros, nossos desenhos, o talento e a ginga da nossa narrativa, é um espetáculo. Ser uma das escolhidas, no meio de Marcelo D’Salete, Gidalti, Alcimar Frazão, João Pinheiro e Sirlene Barbosa é um privilégio e uma honra que eu não tava cabendo nos meus pés de tanta felicidade e sentindo uma responsabilidade imensa. Não tem isso no zine, mas apareceram adolescentes cubanos que tinham lido Arlindo no twitter e até ajudaram a tradutora em alguns momentos durante a mesa – mas acho que o zine foi uma forma de registrar e mostrar pra mim mesma que isso aconteceu de verdade, que eu tava lá, que foi um sonho muito bem vivido e aproveitado em cada instante.
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