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Os obituários de Trina Robbins, pioneira dos quadrinhos que faleceu no dia 10, a associavam principalmente ao feito de ter sido a primeira mulher a desenhar a Mulher-Maravilha.
De fato, esse foi um marco para a própria Trina, que lia as histórias da heroína quando menina. Porém, a quadrinista deixa um legado importantíssimo como figura essencial de um movimento que se impôs diante do machismo da cena de quadrinhos dos EUA, na década de 1970: a criação de coletivos para que mulheres pudessem criar seus próprios quadrinhos, contar suas próprias histórias.
O Clube do Bolinha
Década de 1970, o quadrinho underground norte-americano estava vivendo anos de ebulição, em oposição ao moralismo do Comics Code Authority, com vários artistas publicando suas próprias revistas.
O comix underground era independente, livre para se expressar e sobretudo masculino, inclusive nas temáticas. Quando Trina Robbins chegou à cena de quadrinhos de San Francisco, se deparou com o que ela chamou de “Clube do Bolinha”.
Revistas como a “Zap Comix”, de Robert Crumb, não tinham mulheres entre os colaboradores, mas isso não quer dizer que as mulheres não estivessem produzindo… Se quisessem publicar em revistas, elas teriam que fazer isso em uma publicação sem homens envolvidos. O pontapé inicial foi no jornal feminista “It Ain’t Me Babe”, onde Trina colaborou como ilustradora. É lá que nasce a ideia da “It Ain’t Me Babe Comix”, a primeira revista do comix underground feita apenas por mulheres, em 1970, reunindo sete autoras: Trina Robbins, Lisa Lyons, Carole, Michele Brand, Bárbara “Willie” Mendes, Meredith Kutrzman e Nancy Kalish “Hurricane Nancy”.
Se as revistas feitas por homens (e para homens) incluíam violência gráfica contra as mulheres, como um recurso para o humor, as histórias da It Ain’t Me Babe Comix e, depois, de outros coletivos de quadrinhos feministas traziam temas sobre o ser mulher naquele contexto. Sexualidade, relações de poder entre homens e mulheres, trabalho, direitos reprodutivos, são alguns dos assuntos abordados.
“Wimmen’s Comix”
Essa é provavelmente a mais famosa das publicações coletivas exclusivas de mulheres. Ela surgiu diretamente da experiência da “It Ain’t Me Babe” e teve 17 edições, ao longo de vinte anos, de 1972 a 1992.
O modelo de produção era não hierárquico e cada revista era coeditada por duas mulheres diferentes, mantendo a rotatividade. O coletivo era aberto à submissão de trabalhos de autoras sem experiência prévia e mais de 40 mulheres contribuíram, entre elas Melinda Gebbie, Aline Kominsky-Crumb, Lee Marrs, Michele Brand, Diane Noomin e, claro, Trina.
Um movimento
Da “Wimmen’s Comix” surgiram outras iniciativas de coletivos e antologias de autoras. Diane Noomin e Aline Kominsky criaram a “Twisted Sisters”, em 1976. Mary Wings criou a “Come out Comix”, com a proposta de trazer as experiências de mulheres lésbicas.
É importante também lembrar de uma outra revista, que surgiu algumas semanas antes da publicação da primeira “Wimmen’s Comix”, a “Tits&Clits”. Uma iniciativa de Lyn Chevel e Joyce Farmer cujo objetivo principal era falar sobre a sexualidade feminina. Ao todo foram 7 edições, lançadas entre 1972 e 1987.
Quando deixou os quadrinhos, após décadas de trabalho, a própria Trina se dedicou a pesquisar e registrar a história das mulheres nos quadrinhos, e publicou vários livros.
Seu ativismo esteve presente ao longo de toda a sua trajetória, seja na juventude, na maturidade ou em seus últimos anos, afinal, como ela mesma diz em seu livro de memórias, The Last Girl Standing:
“Bem, estou neste negócio há alguns anos. Seria extremamente ingênuo e presunçoso pensar que uma história em quadrinhos pode mudar o pensamento do mundo. Mas não custa tentar.”
