
O quadrinista Bastien Vivès foi a julgamento nesta terça-feira (27), por acusações de criação e difusão de imagens pornográficas envolvendo menores em duas de suas obras, “La Décharge Mentale” e “Petit Paul”. No entanto, o Tribunal Criminal da comuna francesa de Nanterre, onde o caso foi analisado, se declarou incompetente para prosseguir o julgamento, uma vez que não há provas de que os fatos ocorreram em sua jurisdição.
A decisão foi favorável à defesa do artista, que alegou que nenhum dos réus possui qualquer ligação com Nanterre. Vivès mora em Paris e produz suas HQs em um estúdio na capital francesa, e as editoras que publicaram as obras em questão, Les Requins Marteaux e Glénat, são de outras cidades da França, respectivamente Bordeaux e Grenoble. Richard Malka, o advogado que defende Bastien Vivès, argumentou que “La Décharge Mentale” e “Petit Paul” também não foram encontrados em nenhuma livraria da região Altos do Sena, de onde Nanterre é a capital, ao longo de dois anos e meio de investigação.
Vivès estava sendo investigado preliminarmente desde 2023, após denúncia de várias associações francesas de proteção à criança. Os dois quadrinhos que são objeto do julgamento, descritos pelas editoras como sátiras e enquadrados no gênero erótico ou humor adulto, causaram polêmica por retratar crianças e adolescentes em contextos sexuais. “Petit Paul”, por exemplo, apresenta um garoto com um pênis enorme tendo relações com mulheres adultas. Ambos são inéditos no Brasil. Caso fosse condenado, o artista poderia enfrentar uma pena de até cinco anos de prisão e multa de 75 mil euros.
Após três horas de deliberação, a juíza presidente, Céline Ballerini, declarou a “incompetência” do seu tribunal e devolveu o caso ao Ministério Público. Porém, para uma das associações que apresentaram queixa contra Bastien Vivès, a decisão é insuficiente. “A justiça não foi feita. Ainda precisamos saber se as obras de Bastien Vivès realmente constituem uma infração criminal“, disse Laure Boutron-Marmion, que representa a organização Face à l’inceste, em entrevista ao Le Point.
Na saída do tribunal, o quadrinista falou com a imprensa francesa. “Estou muito feliz com essa decisão. A gente não tinha nada para fazer em Nanterre. Na França, vivemos o trauma do Charlie Hebdo, desenhistas foram mortos a tiros, e é preciso mostrar que estamos vivos. Mas eu me encontro diante de um tribunal, isso é insano! Na sala, foi cômico: na minha frente havia quatro cadeiras vazias, porque não há nenhuma criança vítima nessa história”, disse Vivès.

De garoto prodígio a cancelado
Antes de ser sinônimo de polêmicas, Bastien Vivès foi considerado um prodígio do quadrinho francês, nas primeiras décadas de sua carreira. Seu primeiro sucesso, “O Gosto do Cloro”, originalmente publicado em 2008, rendeu ao quadrinista o Prix Révélation (Prêmio Revelação) em Angoulême, no ano seguinte. O quadrinho foi publicado no Brasil, em 2012, pelo selo Barba Negra da editora Leya.
Duas de suas obras mais famosas também chegaram ao país, desta vez pela Nemo, “Polina” — vencedor do Grand Prix de La Critique ACBD — e “Uma Irmã”, respectivamente em 2018 e 2021. A Pipoca & Nanquim também publicou o artista, em sua parceria com a dupla Florent Ruppert e Jérôme Mulot na série “A Grande Odalisca”.
Ao lado do roteirista Martin Quenehen, Vivès ainda faz parte da equipe criativa de novas histórias do personagem clássico Corto Maltese, que são ambientadas em tempos modernos e seguem inéditas no Brasil.