
O quadrinista francês Bastien Vivès será julgado em maio pelo Tribunal Criminal da comuna francesa de Nanterre, por criação e difusão de imagens pornográficas envolvendo menores em suas obras. Além do artista, as editoras Les Requins Marteaux e Glénat, que publicaram as HQs em questão, também comparecerão ao tribunal. As informações foram reveladas nesta quinta-feira (13) pelo Ministério Público à Agence France-Presse (AFP).
Vivès, que recentemente retomou suas aparições públicas, no Festival de Angoulême, estava sendo investigado preliminarmente desde 2023, após denúncia de várias associações francesas de proteção à criança. Ao todo, três obras do quadrinista foram alvo da investigação: “Les Melons de La Colère”, publicado em 2011, “La Décharge Mentale” e “Petit Paul”, ambos de 2018. No fim de maio, a 20ª Câmara Criminal do tribunal analisará esses dois últimos álbuns, todos inéditos no Brasil.
Essas HQs de Bastien Vivès, descritas pelas editoras como sátiras e enquadradas no gênero erótico ou humor adulto, causaram polêmica por retratar crianças e adolescentes em contextos sexuais. “Petit Paul”, por exemplo, apresenta um garoto com um pênis enorme tendo relações com mulheres adultas.
Antes, o quadrinho já havia sido alvo de denúncias, em 2018 e 2020, que foram encerradas sem maiores ações pelo Ministério Público de Nanterre. “Teremos que explicar como o que o Ministério Público de Nanterre considerou não ser um crime e não constituir qualquer delito em 2019 se torna um delito em 2024”, manifestou Richard Malka, advogado de Bastien Vivès, à AFP.
Em 2023, uma exposição do quadrinista foi cancelada no Festival de Angoulême, após forte pressão do público e de associações. As manifestações foram relacionadas não somente ao conteúdo de determinadas obras de Vivès, mas também a declarações polêmicas do artista em entrevistas, fóruns e nas suas redes sociais. O artista contou sua versão sobre seu “cancelamento” em uma HQ curta, publicada em outubro de 2024.

Na manhã desta quinta (13), Bastien Vivès fez uma postagem em sua página no Instagram sobre o julgamento. “Por desenhos, que o Ministério Público de Nanterre levou dois anos para analisar, a polícia e a justiça foram mobilizadas. Provavelmente, não têm nada mais importante para fazer do que processar desenhos e punir um desenhista. Paciência para as crianças reais, que esperam pela polícia e pela justiça. Elas terão que ficar para depois das crianças de papel. É preciso satisfazer as associações que fazem barulho”, disse o artista.
Em seu texto, Vivès conclui que, diante dessa situação, desenhar pode ser um crime. “Sou um autor de quadrinhos, não estou aqui para curar as feridas da sociedade, trabalhar pela moral, mas apenas para fazer as pessoas pensarem, dar um passo ao lado com um traço de humor, questionar a escuridão também. Às vezes dá certo, às vezes falha ou é de mau gosto, mas eu não sabia que isso poderia levar à prisão”. O artista finaliza o texto dizendo que irá ao tribunal explicar que desenhos não são a realidade.
De garoto prodígio a cancelado
Antes de ser sinônimo de polêmicas, Bastien Vivès foi considerado um prodígio do quadrinho francês, nas primeiras décadas de sua carreira. Seu primeiro sucesso, “O Gosto do Cloro”, originalmente publicado em 2008, rendeu ao quadrinista o Prix Révélation (Prêmio Revelação) em Angoulême, no ano seguinte. O quadrinho foi publicado no Brasil, em 2012, pelo selo Barba Negra da editora Leya.
Duas de suas obras mais famosas também chegaram ao país, desta vez pela Nemo, “Polina” — vencedor do Grand Prix de La Critique ACBD — e “Uma Irmã”, respectivamente em 2018 e 2021. A Pipoca & Nanquim também publicou o artista, em sua parceria com a dupla Florent Ruppert e Jérôme Mulot na série “A Grande Odalisca”.
Ao lado do roteirista Martin Quenehen, Vivès ainda faz parte da equipe criativa de novas histórias do personagem clássico Corto Maltese, que são ambientadas em tempos modernos e seguem inéditas no Brasil.