O Fora do Roteiro é uma coluna de PJ Brandão, do HQ Sem Roteiro, no Fora do Plástico. Esse conteúdo tem também uma versão em vídeo, que recomendamos muito que você assista AQUI.
Você já percebeu que ao mesmo tempo em que você lê uma história em quadrinhos, quadro após quadro, seus olhos passeiam pela superfície da página?
Em seu artigo Uma Arte de Tensões, o pesquisador Charles Hatfield afirma que os quadrinhos são uma linguagem que extrai seu poder comunicacional de diferentes tipos de tensão, e hoje a gente vai falar sobre uma delas: a tensão sequência versus superfície.
Na maioria dos casos, uma história em quadrinhos é uma sequência. Você lê o primeiro quadro, depois lê outro quadro, depois lê o outro quadro, e assim por diante. Mas além de uma sequência de quadros, uma página de quadrinhos também traz uma superfície a ser percorrida pelo olhar, não necessariamente numa ordem.
Na verdade, o caminho da leitura costuma ser o inverso. Você abre a página, nota que há um conjunto de quadros, depois vai focando sua atenção nos quadros 1, 2, 3, sucessivamente.
Em seu artigo, Hatfield pega emprestado os conceitos de Pierre Fresnault-Deruelle, apontando que toda HQ possui ao mesmo tempo um caráter linear e um caráter tabular, no sentido de tábua mesmo, com quadros espalhados numa superfície exercendo poder significativo entre si.
Quando você pega essa página de Gavião Arqueiro, por exemplo, com roteiros de Matt Fraction, desenhos de David Aja e cores de Matt Hollinsworth, dá para perceber que não é somente a linearidade, ou seja, um quadro após o outro, que traz significado para a ação da história.
A disponibilidade dos quadros na página e a interação entre eles também traz um outro significado. A linearidade exerce uma força sobre a tabularidade ao mesmo tempo em que a tabularidade exerce uma força sobre a linearidade, ampliando o significado da história.
Isso acontece em diversos exemplos nos mais diversos quadrinhos, mesmo nos que não ousam tanto no design das páginas. Mesmo os grids mais conservadores exercem poder sobre a sequência. A relação entre sequência e superfície sempre está presente. Ao mesmo tempo em que a linearidade te conta uma história, a tabularidade expande a nossa percepção. E essa é uma das tensões mais potentes da linguagem dos quadrinhos.