O Fora do Roteiro é uma coluna de PJ Brandão, do HQ Sem Roteiro, no Fora do Plástico. Esse conteúdo tem também uma versão em vídeo, que recomendamos muito que você assista AQUI.
Parte do encanto causado pela leitura de um bom quadrinho vem de tensões que são causadas pela processo criativo e pela forma como lemos essas tensões. É essa a base do artigo An Art of Tensions do pesquisador Charles Hatfield, lançado no livro A Comics Studies Reader, de 2009.
Para Hatfield, o poder da linguagem quadrinística vem das tensões que ela opera de forma caótica ou harmoniosa. Ele aponta quatro tipos de tensões diferentes:
- 1. Código versus código,
- 2. Imagem singular versus imagem em série,
- 3. Sequência versus superfície
- 4. Texto como experiência versus texto como objeto.
Nesta coluna iremos falar sobre a primeira dessas tensões: a de Código versus código.
A gente costuma ver por aí pessoas tentando definir os quadrinhos como a “mistura de imagens e palavras”. Mas temos na história dessa linguagem diversos exemplos de HQs que não usam palavras, somente imagens, e tantas outras que só usam palavras. Mas sem dúvida a maior parte dos quadrinhos que a gente tem acesso colocam esses dois códigos, as palavras e as imagens, para se tensionar.
Há infinitas formas de desenho, mas nos quadrinhos, dados seu aspecto narrativo e representacional, desenhistas costumam criar imagens que procuram minimamente emular ou dar a ideia de uma tridimensionalidade, por mais estilizado que essa representação possa ser.
Palavras por sua vez não possuem compromisso com tridimensionalidade nenhuma. São a mais pura das abstrações, afinal o desenho de uma cadeira pode representar uma cadeira devido a similaridades mínimas com o objeto representado, mas a palavra cadeira nada tem a ver com uma cadeira.
Enquanto de um lado temos a tridimensionalidade das imagens, as palavras são lidas de um lado a outro, bidimensionalmente. As imagens são mais “abertas e solícitas à interpretação”, segundo palavras do próprio Hatfield, enquanto as palavras são codificadas, interpretativas, abstratas.
No entanto, essa tensão entre códigos acabam sofrendo um processo de fusão quanto imagem e palavra se misturam nas onomatopeias ou nas diversas estilizações que as artistas e os artistas de quadrinhos têm à disposição. A onomatopeia nos quadrinhos é um textoimagem, usando o conceito de outro teórico, JWT Mitchell, no seu livro Iconology.
A tensão código versus código é somente das tensões que fazem do quadrinho uma linguagem tão fascinante. Ainda há muito a ser explorado.