De Kael Vitorelo
112 páginas
Veneta | 2024
Kael Vitorelo mergulha em si, em Filosofia do Mamilo, mas constroi uma obra universal, na qual sua experiência se torna vetor para percebermos o despreparo das instituições no acolhimento das demandas de pessoas trans e não-binárias.
Quando decidiu retirar os seios em uma mastectomia masculinizadora, o quadrinista se deparou com a sensação de que talvez não fosse trans o suficiente. Pelo menos foi isso que foi possível extrair da sentença da juíza, na ação que Kael abriu contra seu próprio plano de saúde, como forma de conseguir a cirurgia.
Diante das raízes da binaridade nas nossas dinâmicas sociais, a HQ passa por essa experiência individual, mas também por seus aspectos coletivos. Kael se debruça sobre a sua vida, em reflexões sobre diferentes situações em sua trajetória como pessoa não-binária, enquanto busca esclarecer para os leitores as temáticas abordadas, longe de qualquer didatismo.
Filosofia do Mamilo explora texto, visual e suas interações de uma forma quase poética. A construção híbrida entre HQ, ensaio e livro de memórias é fantástica. É como se, sem muita pretensão, nos perdêssemos nos sentimentos, angústias e constatações do quadrinista. As páginas passam com leveza, embaladas em belas composições que misturam colagem e desenho.
Há muitas leituras dentro de Filosofia do Mamilo. Publicado pela Veneta, este é um quadrinho intenso, honesto, esclarecedor e que consegue caminhar pelo tema central com sentimentos que vão da raiva ao acolhimento, da incredulidade à autoafirmação. Kael Vitorelo escreve (e desenha) com todas as letras como deveria ser possível ser o que se é, sem precisar pedir permissão a ninguém.