[Especial]

A vida secreta de Steve Ditko, o cocriador do Homem-Aranha

10 julho 2024
Por Fora do Plástico

Um perfil publicado no dia 2 de julho, no site da Rolling Stone, escrito por Jay Deitcher, revelou um Steve Ditko que poucos conheceram. O cocriador do Homem-Aranha e criador do Doutor Estranho foi considerado uma pessoa controversa e reclusa. Um conservador, que nunca participava de convenções ou tirava fotos, que não deu sequer uma entrevista, de 1968 até sua morte, em 2018, aos 90 anos.

“Eu nunca falo sobre mim mesmo, meu trabalho sou eu”.

Steve Ditko, 1968

Para investigar a vida de seu perfilado, o jornalista tece uma rede de fontes. Entrevistou seu irmão, Patrick Ditko, seus sobrinhos e amigos, leu livros, conversou com nomes da indústria como Brian Michael Bendis, Tom King e Todd McFarlane.

Deitcher analisa como a personalidade reclusa de Ditko foi mal interpretada, já que muitos viam sua relação com o público, a imprensa e até com outros artistas, como autossabotagem. Para o jornalista, isso também está muito relacionado com a forma como Stan Lee falou de Ditko publicamente.

Nas entrevistas, seus familiares e amigos o descrevem como alguém que nunca se encaixou nas normas sociais, mas que cultivou bons relacionamentos. Segundo Deitcher, Ditko era como Peter Parker, que nunca permitiu que seus entes queridos se aproximassem demais por medo de colocá-los em perigo, por isso compartimentou sua vida, mantendo trabalho e vida pessoal distintos para reter algum poder em um mundo que ele sentia que o oprimia.

Ditko com seus sobrinhos.

O perfil passa por sua infância na Pensilvânia, como o segundo filho de uma família de ascendência eslovaca. Depois, conhecemos sua trajetória na vida adulta, passando pelo alistamento, em 1945, os estudos na Cartoonists and Illustrators School, a entrada na Marvel, a criação de vários personagens, seu trabalho autoral e seu modo rígido de ver o mundo.

Além da notória reclusão, Steve Ditko é conhecido por ser adepto fervoroso do Objetivismo, polêmica corrente de pensamento criada por Ayn Rand e que se tornou muito popular entre liberais e neoliberais. Sua visão sobre moral se encaixava facilmente no pensamento rígido de Ditko, que expressou isso também através de seus quadrinhos. Há exemplos disso em histórias do próprio Homem-Aranha e sobretudo no Questão e no Mr. A. No entanto, o perfil de Jay Dietcher não se dedica tanto a esse assunto.

Essa rigidez moral acompanhou o artista e fez fama. “Steve é do tipo que preferiria morrer de fome a violar seus princípios”, disse Jim Shooter, ex-editor-chefe da Marvel, em um blog de 2011. Jay Ditcher  cita que durante uma fase no Homem de Ferro, Ditko se recusou a fazer um desenho do herói bêbado. Recusou um roteiro do Batman porque era sobrenatural e ainda rejeitou cargos com altos salários porque algo ia contra seus valores.

Os mais próximos de Ditko dizem que é reducionista atrelar toda a visão de mundo do quadrinista ao egoísmo e à moralidade do Objetivismo. Outros já relacionam o modo o artista como se sentia socialmente deslocado ao motivo para que as crenças de Ayn Rand ressonassem tanto nele.

O tema é abordado em uma matéria do The Comics Journal, em que biógrafos de Ditko, que se correspondiam com ele, falam sobre as polêmicas em seu entorno. Aliás, esse é um fato interessante. Ditko gostava de se comunicar por cartas (até com a família) e se correspondeu com uma infinidade de pessoas, entre fãs e outros artistas, por décadas.

Correspondências de Steve Ditko guardadas pela família após sua morte.

Há várias cartas de Ditko recusando, com cordialidade, projetos, participação em sessões de autógrafo ou venda de artes originais. Ele mesmo não se importava muito com seus originais. Hoje, sua família não possui nenhum. Segundo o perfil escrito por Ditcher, “em 2017, uma única página do Homem-Aranha número 25 foi vendida por US$ 105 mil. Em 2008, as páginas da primeira aparição do Homem-Aranha foram doadas anonimamente à Biblioteca do Congresso. Ditko disse a um repórter do Chicago Tribune: ‘Não poderia me importar menos’”.

Mesmo com a quantidade de informações reveladoras reunidas por Jay Dietecher, continua não sendo fácil decifrar Steve Ditko, um dos artistas mais importantes dos quadrinhos dos EUA.

O que é possível perceber é que ele não era tão “preto no branco” como a filosofia objetivista pode fazer crer. Um homem de carne e osso, com controversas, feitos e legado.

 

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