Miki Yamamoto, autora do mangá Sunny Sunny Ann (leia AQUI nossa opinião sobre a obra), concedeu uma entrevista à editora JBC, que nos cedeu com exclusividade o conteúdo na íntegra. A mangaká comenta sobre o seu trabalho, influências, processo criativo e até dá conselhos para artistas iniciantes. Confira a seguir.
Em Sunny Sunny Ann!, Podemos perceber que seus traços e seus estilo de contar histórias têm bastante proximidade com as HQs ocidentais. Quais são as suas principais influências culturais?
Muito obrigada pelo elogio. Creio que minha maior influência foi de mangás de autoras japonesas, porém, em termos de estilo de desenho, tive mais influências de livros ilustrados de autores ocidentais. Quando estava fazendo este mangá, não encontrava muitos comics ocidentais para ler em japonês, mas, por outro lado, tinha muitos livros ilustrados ocidentais traduzidos para a língua japonesa. Na universidade, também tive a oportunidade de aprender sobre o gênero de histórias em xilogravuras, “Woodcut Novels”, histórias sem textos, só com ilustrações. Descobri uma ampla gama de maneiras de contar a história por imagens e muitos estilos diferentes de ilustração, que não se limitam aos comics. Para mim, o fato de contar histórias por imagens é interessante por si só, e independentemente dos gêneros, aprendi a me expressar fazendo uso de diversos estilos.
Onde você busca inspiração para criar suas histórias e, em especial, para criar uma protagonista tão única quanto a Ann?
Eu gostei da imagem de uma mulher que havia rascunhado, aí foi questão de expandir a personagem a partir disso. Também a desenhei em uma época que estava pensando nos rumos da minha vida, como no desejo de entrar em um carro e sair por aí, ou se deveria tornar-se uma autora de mangás. Esse tipo de preocupações e anseios se refletiram no desenho. Ann é alguém fora do comum. Eu a fiz para ser uma pessoa que decide os rumos de sua vida e aceita os riscos dessas decisões. Lembro de assistir a alguns filmes de viagens sem rumo e fui fazendo referência a eles.
Você poderia contar mais sobre o processo de criação de Sunny Sunny Ann?
Planejamentos e histórias são criados a partir de eventos e feitos diários. Aos poucos, o antes e o depois da história é criado a partir do que você sente ser extraordinário em sua vida cotidiana. Pesquiso aquilo que não entendo, mas não saio entrevistando pessoas. Gasto mais tempo criando o storyboard da história, e algumas vezes trabalho só em uma por anos a fio. Com relação ao desenho, na criação, penso sobre as cores e materiais que combinam com a imagem da obra e mudo tudo para cada uma delas. Quanto ao papel, não uso o habitual “genkô-yoshi” (tipo de papel pautado) específico de mangás. O original manuscrito desta obra está em exibição no “MANGASIA”, no Barbican Centre, e está percorrendo vários países. Se tiver a chance de comparecer, vá dar uma olhada em meu trabalho.
Também aprendi muito com comics e livros ilustrados ocidentais, por isso, fico feliz ao pensar em meu trabalho sendo lido em outros países. Como alguém vivendo no interior do Japão, tenho o sonho de que pessoas de lugares muito distantes possam ler minhas obras e mensagens.
A edição da Editora JBC é a quarta edição estrangeira de Sunny Sunny Ann! Como você vê esse alcance da sua obra em outros países.
Estou feliz e muito surpresa. Muito grata a todos os envolvidos nas versões estrangeiras e que desejaram apresentar esta obra a outros públicos. Também aprendi muito com comics e livros ilustrados ocidentais, por isso, fico feliz ao pensar em meu trabalho sendo lido em outros países. Como alguém vivendo no interior do Japão, tenho o sonho de que pessoas de lugares muito distantes possam ler minhas obras e mensagens.
Além dos quadrinhos, você também dá aulas na universidade, participa de exposições, tem outros trabalhos em diferentes frentes. Como você consegue administrar tudo e de que forma essas experiências se intercambiam nas suas obras?
Ministrar aulas na universidade consome muito tempo e pode ser cansativo, mas também é bem divertido. Outro dia desses, um dos meus estudantes teve um volume encadernado de mangá publicado. Fico bastante feliz quando um estudante meu evolui e cria uma obra interessante. Não só por isso, mas também por ter um trabalho que também me faz sentir os problemas e o caminhar da sociedade, quer queira ou não. Por exemplo, quando estourou a pandemia de COVID-19, tive dificuldades em manter as aulas online, porém, isso acabou se tornando uma oportunidade para eu ficar interessada nas ilustrações e histórias criadas durante esse período. O conteúdo da minha pesquisa levou ao lançamento de um mangá curto com o tema da pandemia. Ensinar e pesquisar mangás e livros ilustrados também influencia a variedade e o conteúdo do meu trabalho.
O que te chama a atenção na cultura brasileira?
Eu já havia participado de uma palestra sobre o desenvolvimento de mangás no Brasil, e soube que Osamu Tezuka também havia visitado o país. Também estou interessada em um livro ilustrado que tenho de um autor chamado Roger Mello. Gostaria muito de saber mais sobre obras e autores populares no Brasil.
No Brasil temos muitos leitores que querem se tornar mangakás, você poderia contar um pouco da sua formação como autora e seus primeiros passos na carreira?
Eu demorei para perceber como mangás e livros ilustrados são interessantes, e isso aconteceu com as aulas na universidade. Entrei na Faculdade de Artes para estudar pintura a óleo e, sem perceber, fiquei imersa nos livros ilustrados e mangás. Por uns dois anos, visitei editoras e exibia minhas obras em livrarias e galerias, criando oportunidades para conhecerem o meu trabalho. Depois, na pós-graduação, escrevi o primeiro capítulo de Sunny Sunny Ann!, e o inscrevi em um concurso de uma revista de mangás. E assim fui publicada em uma revista de mangás pela primeira vez. Tudo isso foi em paralelo com minha vida de estudante.
Quais conselhos você daria para quem está começando?
O mais importante em um mangá é ser capaz de expressar com fidelidade a sua história por meio de imagens, e saber desenhar bem é necessário, mas não o mais importante. Creio ser necessário pensar com cuidado sobre o tipo de imagem que deseja transmitir e constantemente se questionar se há uma maneira melhor de desenhá-la. Sendo uma das formas de comunicação visual, acho que há cada vez mais oportunidades de se transmitir informações com ilustrações e imagens. Além disso, penso que é bom ler obras de autores antigos e pensar no que falta nelas e nas novidades que você, como autor, pode propor. Depois disso, é colocar o que você considera importante na história e entregá-la para muitas pessoas.