De Gato Fernández
112 páginas
Comix Zone | 2021
Tradução: Jana Bianchi
O relato que Gato Fernández nos apresenta em O Golpe da Barata é intenso, desolador, mas não perde seu lirismo. A protagonista faz escolhas certeiras para abordar o abuso sexual intrafamiliar. Nesta autoficção, conhecemos a pequena Lucía, o alter ego da autora argentina, e sua família. Acompanhamos sua relação com o irmão, uma espécie de porto seguro; com a mãe, que é carinhosa, mas também negligente e, por fim, com seu pai, Alberto, que nunca é visto como uma figura paternal e, sim, como um abusador.
Ao longo das páginas, notamos como a inocência da menina contrasta com as situações de abuso. Apesar de não deixar de escancarar o tema, Fernández o aborda com sutileza e muito respeito, afinal, aquela também é a sua história. É impossível não sentir um nó no estômago, um sentimento de revolta e indignação ao ler essa HQ. Ao mesmo tempo, há um tom lúdico, que remete à infância, às fantasias que se tornam parte do mundo real, quando somos crianças. Assim, a condução da autora faz com que tenhamos uma extrema simpatia pela pequena protagonista e um desejo íntimo de protegê-la, de afastá-la daquilo que a atinge.
Sem dúvidas, o grande mérito de O Golpe da Barata é ser uma história-denúncia sobre o abuso sexual intrafamiliar. A trama reforça como os algozes muitas vezes são membros da própria família. E é também uma maneira de a autora expressar sua dor, de uma forma sincera, como se expurgasse, por meio da arte, um pouco daquilo que estava há anos preso em si mesma.
As ilustrações não são o ponto alto do quadrinho, mas são bastante funcionais e se encaixam muito bem na trama, principalmente porque os traços remetem um pouco aos desenhos infantis. Destaque para as cores e as sombras.
O Golpe da Barata é um quadrinho que indiscutivelmente mexe com o leitor. Uma HQ importante, não somente pelo tema que aborda, mas também pela maneira como o faz. Ótima adição ao catálogo da editora Comix Zone.