“Era Uma Vez no Contestado” ganha exposição em Curitiba

15 janeiro 2025
Por Fora do Plástico
Divulgação: André Caliman

Os moradores de Curitiba poderão conferir com detalhes a produção de “Era Uma Vez no Contestado”, quadrinho publicado pela Figura em 2024, em uma exposição com os originais da HQ, na Gibiteca de Curitiba, até o dia 8 de fevereiro. Todos feitos em aquarela sobre papel, pelas mãos de André Caliman, os originais das páginas trazem as escolhas estéticas e artísticas do quadrinho ambientado na Guerra do Contestado, que aconteceu na região fronteiriça entre Santa Catarina e Paraná, entre 1912 e 1916.

Embora seja ancorada na história do Brasil, “Era Uma Vez no Contestado” é uma ficção construída ao redor do universo do Contestado. Caliman apresenta diferentes agentes que compõem a trama, um mascate com uma missão assassina; uma menina marcada pela tragédia; um forasteiro com os dias contados e um caso de amor em meio ao sangue. “Eu queria realizar o desejo de fazer um faroeste, mas não um que tivesse o “John” de “Silver City”. Então deixei esse desejo de lado até conhecer os acontecimentos da Guerra do Contestado. Ali eu vi que tinha todos os elementos para realizar uma HQ histórica brasileira que carregava muitos (ou talvez até todos) os elementos do faroeste”, conta o quadrinista em entrevista ao Fora do Plástico.

Desde o início da produção, a exposição era uma possibilidade na mente do artista e isso está refletido na forma como o visual do quadrinho é composto. “Eu queria que cada página fosse uma obra em si. Desde o começo pensei nestas páginas expostas. Usei aquarela também por querer produzir originais que tivessem um valor pictórico, para serem apreciados tanto na sequencialidade do livro quanto individualmente”, explica.

Além da possibilidade de conferir de perto as páginas, leitores de quadrinhos e visitantes da Gibiteca poderão participar de oficinas, que assim como a exposição, são gratuitas. A oficina “Quadrinhos em Aquarela” será ministrada pelo próprio André Caliman em duas datas, 31 de janeiro, às 16h, e 7 de fevereiro, às 19h. Ambas acontecerão dentro da sala expositiva.

A Gibiteca de Curitiba fica localizada no centro da capital paranaense, na rua Carlos Cavalcanti, 533A.

Papo com o autor

Confira a entrevista na íntegra ao Fora do Plástico, em que André Caliman conta mais detalhes sobre o processo criativo de “Era Uma Vez no Contestado” e sobre sua carreira de quadrinista.

Fora do Plástico: Como surgiu a ideia da exposição? Foi algo que você imaginava enquanto produzia “Era Uma Vez no Contestado”?

André Caliman: Sim. Eu desenhei as páginas de Era Uma Vez no Contestado sempre com uma imagem só, como uma ilustração, porém entrecortada com o texto. Eu queria que cada página fosse uma obra em si. Desde o começo pensei nestas páginas expostas. Usei aquarela também por querer produzir originais que tivessem um valor pictórico, para serem apreciados tanto na sequencialidade do livro quanto individualmente.

Fora do Plástico: Embora seja um quadrinho, é possível perceber que “Era Uma Vez no Contestado” se aproxima da literatura. Como você encontrou a linguagem ideal para contar essa história?

André Caliman: Eu não queria balões. Queria o texto passando pela imagem de alguma outra forma e acabei colocando-o no espaço entre os quadros, separando partes da imagem que compõem a página. A maior parte do texto é do narrador-personagem, em primeira pessoa, um tropeiro, um mascate, portanto ele conta a história como um trovador, um milongueiro. Aí surgiram as rimas e tudo ficou mais poético: a observação de partes da mesma imagem, ficando assim mais descritiva. O texto, por sua vez, ganhou mais forma, mais valor estético do que teria dentro dos balões.

Fora do Plástico: Quais foram as referências que te inspiraram a construir a HQ? Seja na bibliografia histórica sobre o período ou mesmo as referências estéticas?

André Caliman: Eu me formei como artista observando autores como Hal Foster, Sergio Toppi, Norman Rockwell, Ivo Milazzo, Hugo Pratt, Dino Battaglia, Flavio Colin, Alberto Breccia, Frank Miller. E todos eles deixam um grande espaço na página, e nos quadros, para o desenho. O desenho cria o clima, emociona, descreve os personagens. Era Uma Vez no Contestado precisava retratar o lugar e seus personagens de uma forma forte visualmente.

Fora do Plástico: O contexto da Guerra do Contestado é essencial para o quadrinho, não à toa está marcado no título. Por que falar desse conflito ou desse momento específico da história da região Sul?

André Caliman: Eu queria realizar o desejo de fazer um faroeste, mas não um que tivesse o “John” de “Silver City”. Então deixei esse desejo de lado até conhecer os acontecimentos da guerra do contestado. Ali eu vi que tinha todos os elementos para realizar uma HQ histórica brasileira que carregava muitos (ou talvez até todos) os elementos do faroeste. Aí eu quis fazer. Quando eu viajei pro meio-oeste catarinense, região do conflito, achei o lugar inspirador. A natureza é incrível e as cidades não são tão grandes, promovendo um estilo de vida diferente das capitais. Fui voltando para lá ao longo de dez anos, sempre enriquecendo minha pesquisa, até o momento de finalmente produzir a HQ em 2023.

Fora do Plástico: Você é um quadrinista muito versátil, que trabalha diferentes estilos de desenho. Qual é o processo que leva você a escolher qual o melhor traço para aquela obra?

André Caliman: É de pensar na história proposta, ler o roteiro e visualizar como aquilo pode ficar em imagens. Acontece naturalmente. Eu esqueço completamente o meu jeito de fazer, só penso em como aquela obra precisa ser feita.

Fora do Plástico: Assim como a variedade de estilos, seus quadrinhos têm temas bastante distintos entre si. Quais são as suas principais inspirações no cotidiano para se manter tão prolífico?

André Caliman: Eu gosto de variar os gêneros narrativos. Ou melhor, não gosto de ficar repetindo o mesmo gênero narrativo: Depois de desenhar 100 páginas de uma HQ noir, já vai vindo a vontade de fazer algo medieval, colorido. Aí depois de mais 100 páginas, dá vontade de desenhar algo mais engraçado, e depois algo mais pesado, enfim, essa é a graça. Representar diferentes personagens, ambientes, temas. Acho entediante ficar em uma linha só.
Gosto de pesquisar acontecimentos históricos, que sempre são grande fonte de inspiração. O cotidiano dos lugares e as pessoas também inspiram personagens e acontecimentos. Quase tudo o que eu fiz surgiu como ideia durante alguma viagem, um momento de passagem e observação daquilo que não é comum.

Fora do Plástico: Houve um momento na sua carreira em que você entendeu que tipo de quadrinista você era, que havia encontrado sua assinatura?

André Caliman: Essa coisa da assinatura, do estilo, é um tormento. Eu sempre penso (tento até) criar uma linha própria, mas quando vejo estou mudando tudo.
A cada novo livro eu sinto que encontrei o tal estilo e que vou seguir fazendo apenas daquele jeito. Mas aí o livro vai acabando e vai vindo o próximo e mudo tudo de novo. Mas, falando de desenho, tem algo nesses dois últimos trabalhos “Uma Moeda ou um Beijo” e “Era Uma Vez no Contestado”, que parece que vai ficar: poucas linhas e muito mais ênfase nas manchas, massas, volumes, coisa que tenho feito tanto em trabalhos em preto e branco quanto em trabalhos coloridos. Devo seguir por esse caminho. Por enquanto.

Gostou da leitura? Ajude o Fora do Plástico

Você não precisa de muito para contribuir com o Fora do Plástico. A partir de R$5,00 mensais, ou seja, um cafezinho, você já está nos ajudando a manter o Fora Plástico.
Quero Apoiar
Carrinho atualizado