De Lielson Zeni e Alexandre S. Lourenço
208 páginas
Brasa | 2023
Saulo não se torna Paulo, em Damasco. Na HQ de Lielson Zeni e Alexandre S. Lourenço, recém-lançada pela Brasa, Saulo, o protagonista, quer sumir. Evaporar da vida antiga. Esse Saulo também não é o soldado romano que viraria um dos principais pregadores do cristianismo primitivo. É um homem, com um trabalho metódico, que um dia teve uma banda. Mas há mais paralelos entre os dois Saulos, do que apenas o nome.
Ele acorda, se prepara para trabalhar, pega o ônibus, bate ponto, se senta em uma das centenas de cabines e se coloca diante de planilhas e mais planilhas, até o fim do expediente. Mesmo que o trabalho ocupe um espaço significativo no seu tempo, Saulo também tem outras atividades. Ele gosta de cozinhar, de jogar Scrabble com a namorada, Raquel, e de fazer música. O que o faria querer deixar a própria vida? Abandonar tudo e simplesmente começar do zero, como se nunca tivesse estado ali?
Damasco é daqueles quadrinhos em que nada é entregue facilmente. O leitor precisa estar atento, principalmente naquilo que fica apenas no visual. Dito isso, Damasco é uma HQ interpretativa. Seu protagonista não é desvendado facilmente e talvez nem seja necessário fazer isso. Estamos como observadores da sua rotina, das suas relações, das decisões que decide tomar. E vemos as consequências para Raquel e para Dylan Cat, seu gato.
O alinhamento entre roteiro e arte é impressionante, em Damasco. Lielson e Alexandre parecem ter se fundido para produzir essas páginas, com sequências fantásticas. A narrativa gráfica é mais que importante, como de costume nos trabalhos do desenhista. O espaço entre os quadros, as repetições, o uso do amarelo (única cor presente na obra): a estética tem significado e diz até mais do que as palavras.
Quem nunca pensou em sumir, como Saulo? Damasco nos deixa inquietos sobre como encaramos nossas vidas, sobre o trabalho, sobre o sistema capitalista e o que é necessário para tudo fazer sentido. Sem moralismo, sem receita.