De Peter Kuper (Adaptando livro de Joseph Conrad)
160 páginas
Quadrinhos na Cia. | 2023
Tradução: Érico Assis
Clássico amplamente discutido, Coração das Trevas, de Joseph Conrad ganhou mais uma adaptação, já que muitos associam imediatamente o nome da obra ao Apocalypse Now de Coppola. Em quadrinhos, Peter Kuper revisita a obra de Conrad se voltando com preciosismo para a fidelidade literária, mas se beneficia dos quadrinhos para dar novas dimensões ao romance, reconhecendo suas já famosas controvérsias.
Um homem escuta, no convés de um navio no Tâmisa, as histórias de um certo Marlow, que foi capitão de um barco a vapor, no Congo, quando o país era uma propriedade privada do rei Leopoldo II da Bélgica. Logo ele é encarregado de resgatar Kurtz, um explorador de marfim que parece ter se tornado mais do que um homem, mas um mito por ali. É em um cenário de exploração cruel dos povos nativos, a partir do olhar de um europeu, que o leitor adentra ao continente africano.
O racismo em Coração das Trevas foi apontado e discutido diversas vezes, reforçando a obra como um fruto de seu tempo. Um tempo em que mesmo uma crítica ao colonialismo seria embebida dos próprios conceitos raciais deturpados dos brancos. Só que o Coração das Trevas de Peter Kuper é um quadrinho moderno, que pode trazer um olhar diferente. Um olhar consciente daquilo que foi feito no livro, mas que pode ser feito de outra maneira na HQ. Nas imagens, Kuper assume ter mudado enfoques, para fazer com que os africanos fossem mais do que parte da paisagem. Esta não é a primeira adaptação literária do quadrinista, que consegue ter essa liberdade com o texto original, sem se afastar dele.
A dinâmica dos quadros, oscilando entre os flashbacks de Marlow e o momento presente, funciona muito bem. A distinção entre tempos é clara e a arte transita entre caricata e mais detalhada, servindo-se da pesquisa feita para localizar melhor a trama no tempo, nunca perdemos de vista o fator histórico.
A fidelidade ao original, acrescida daquilo que os quadrinhos têm a oferecer é o ponto alto desta edição, publicada pela Quadrinhos na Cia. Peter Kuper não nos deixa esquecer que estamos lendo a obra mais famosa de Conrad, enquanto nos apresenta um quadrinho que é intenso e marcante, na mesma medida.