De Lourenço Mutarelli
144 páginas
Quadrinhos na Cia. | 2023
Em A Caixa de Areia ou era dois em meu quintal, Lourenço Mutarelli vai da crônica autobiográfica aos devaneios existenciais. Uma falsa autobiografia, é verdade, mas que é capaz de capturar um período da vida do autor, em meados dos anos 2000.
Da forma mais inusitada possível, brinquedos da infância de Mutarelli começam a aparecer na caixa de areia do seu gato. Brinquedos perdidos, que são desenterrados como tesouros. Em paralelo à inquietação causada por essas aparições, o leitor se depara, em capítulos alternados, com dois homens narigudos, em uma viagem interminável, em um deserto igualmente interminável. Kleiton e Carlton discutem, divagam e se desentendem. Qual é a relação entre os dois mundos? É possível captar aos poucos.
A Caixa de Areia discute principalmente os conceitos de tempo e de realidade. A própria ideia de uma história que não é real, mas que usa tantos elementos da vida do autor, como sua rotina familiar, a ponto de torná-la uma falsa autobiografia é um exemplo disso. Mais leve, até no traço, do que os trabalhos de Mutarelli como Capa Preta ou Sequelas, o quadrinho é cheio de bons diálogos e situações cômicas. Como um jeito mais suave de encarar a complexidade dos assuntos tratados.
O preto e branco marcado, com traços realistas, remete quase à fotografia, quando frames do ambiente são capturados no traço do artista. A cozinha, o quarto, a própria caixa de areia e seus brinquedos.
É praticamente impossível passar por A Caixa de Areia, recém publicado pela Quadrinhos na Cia., sem refletir sobre algum dos temas que a leitura evoca. Não uma reflexão forçada, mas que flui junto da leitura. A maneira como Mutarelli traduz suas provocações em quadrinhos é capaz de nos fazer mergulhar na trama, na caixa de areia ou no deserto de Carlton e Kleiton.