De Marcelo D’Salete
224 páginas
Veneta | 2022
Mukanda é a palavra da língua quimbundo que significa carta. E foi por meio delas que Tiodora, uma mulher escravizada que viveu em São Paulo na segunda metade do século XIX, tentou buscar sua alforria. A história de Tiô é a base para Marcelo D’Salete tecer uma trama que mistura ficção aos fatos históricos. O autor de Cumbe e Angola Janga mais uma vez produz um quadrinho que populariza o conhecimento sobre as vidas negras (escravizadas e livres) no Brasil de ontem.
Embora Tiodora seja o grande fio condutor do enredo, o protagonismo acaba sendo dividido com o jovem Benedito. Um menino que se encarrega de ir até uma fazenda de café, para entregar uma carta que Tiô pediu que fosse escrita ao marido. A jornada do garoto ao interior ocupa boa parte da HQ e é interessante notar como D’Salete usa sua figura para ligar fatos e ficção e situar o leitor no Brasil desse período.
Menos agitado que Angola Janga, o quadrinho usa principalmente os silêncios, com páginas e mais páginas que apenas exploram a narrativa gráfica, no preto e branco marcante do autor. Esse uso dos silêncios é muito benéfico para a trama e, com ele, algumas cenas passam a exigir mais a atenção do leitor, principalmente às características de cada personagem. As ilustrações são ricas e o uso do contraste é notável, assim como o do cinza, mais presente aqui do que nos trabalhos anteriores de D’Salete.
Mukanda Tiodora nos leva a um passado pouco visitado a partir dessa perspectiva, e o que é mais interessante: faz isso por meio de artefatos de alguém desse período. As cartas de Tiô (que podem ser lidas nos extras da edição da Veneta) foram ponto de partida para o olhar que D’Salete propõe aqui. Um olhar que, como ele mesmo destaca ao final da HQ, teima em atentar para as brechas e possibilidades de transformação daquela São Paulo ainda mais desigual e brutal que a de hoje. E é assim que vemos que a resistência teve e tem caminhos distintos.