Marcello Quintanilha é o primeiro brasileiro a vencer o Fauve d’Or, principal prêmio do Festival de Angoulême. A vitória foi por Escuta, Formosa Márcia, lançado na França pela editora Çà et Là. O feito consagra as décadas de inserção do quadrinista no cenário europeu, afinal, ele é um dos principais autores brasileiros com reconhecimento internacional.
Nascido em Niterói, no Rio de Janeiro, Marcello Quintanilha se tornou quadrinista profissional ainda adolescente, desenhando gibis de terror e artes marciais para a editora Bloch. Publicou sua primeira graphic novel “Fealdade de Fabiano Gorila” em 1999, pela Conrad. No período, assinava como Marcello Gaú.
Ainda em 1999, durante a primeira edição do FIQ-BH, conheceu o quadrinista François Boucq, autor de “Boca do Diabo” e “Little Tulip” (ambas publicadas no Brasil pela editora Comix Zone), que se interessou pelo seu trabalho e o convenceu a enviar desenhos para editoras europeias. Boucq foi várias vezes citado por Quintanilha como um de seus mestres. “Como meus mestres, se podemos dizer dessa forma, posso citar artistas como John Buscema, Garcia-Lopez, François Boucq, Crepax, E. P. Jacobs ou Frank Hampson. Flavio Colin, por outro lado, é uma referência não só para mim, mas para todos os que estão ligados aos quadrinhos no Brasil, pela honestidade que sempre teve para consigo mesmo, assim como para com seus leitores. Por seu amor incondicional aos quadrinhos, por seu estilo único, que só poderia ser definido se pudesse traduzir em papel a madeira entalhada”, disse, em uma entrevista ao jornal O Tempo, em 2009.
Pouco tempo depois o brasileiro emplacou sua primeira HQ por uma editora europeia. Com roteiros de Jorge Zentner (de “Cromáticas” e “O Rumor da Geada) e Montecarlo, Marcello desenhou a série “Sept balles pour Oxford”, pela editora Le Lombard, entre 2003 e 2012. A série contou, ao todo, com sete volumes.
A publicação fez com que o autor se mudasse para Barcelona, na Espanha, onde mora até hoje. Além de facilitar o contato, durante a produção da série, a mudança para a Catalunha foi uma oportunidade de conhecer mais do mercado de quadrinhos espanhol.
Mesmo morando na Europa, Quintanilha não deixou de publicar no Brasil: “Salvador” (2005, Casa21), “Sábado dos Meus Amores” (2009, Conrad), “Almas Públicas” (2011, Conrad), a adaptação da obra de Raul Pompeia “O Ateneu” (2012, Ática), “Tungstênio” (2014, Veneta), “Talco de Vidro” (2015, Veneta), “Hinário Nacional” (2016, Veneta), “Todos os Santos” (2018, Veneta) e “Luzes de Niterói” (2018, Veneta) foram obras lançadas ao longo desses anos.
Uma característica que marca sua obra é a maneira realista como retrata o Brasil e a preferência por evidenciar aquilo que é popular: a língua, as expressões, os trejeitos. Seus personagens são camelôs, motoristas de lotação, enfermeiras, jogadores de futebol, moradores da periferia, gente de verdade, que se expressa como tal.
É conhecido pela psicologia complexa de seus personagens, assim como por retratar com fidelidade diferentes realidades, com um estilo único de construir diálogos.
Marcello Quintanilha é um dos quadrinistas brasileiros mais premiados nacional e internacionalmente. Em 2016, com “Tungstênio”, venceu o Fauve Polar SNCF, categoria destinada a histórias policiais, no Festival de Angoulême. No Brasil, venceu prêmios como o troféu HQMix, Bienal Internacional de Quadrinhos do Rio de Janeiro, em 1991 e 1993, e a CCXP Awards de Melhor Quadrinista, por “Escuta, Formosa Máricia”, em 2022.
Fato interessante é que ele é o primeiro latino-americano a vencer o Fauve d’Or em Angoulême, desde que o prêmio deixou de dividir a categoria entre obras publicadas originalmente na França e obras estrangeiras, em 2002. O que, sem dúvidas, torna a premiação mais competitiva.
Seu trabalho já foi além da nona arte algumas vezes. A HQ “Tungstênio” foi adaptada para os cinemas em 2018, pelo diretor Heitor Dhalia. Além disso, em 2020, a Veneta publicou seu primeiro romance, Deserama. É também o responsável pela arte do disco Planet Hemp “A Invasão do Sagaz Homem Fumaça” de 2000.
Escuta, Formosa Márcia é o trabalho mais recente de Marcello Quintanilha, lançado no Brasil pela Veneta e na França pela editora Çà et là, em 2021. A trama acompanha a enfermeira Márcia, moradora de comunidade do Estado do Rio, que vem travando uma verdadeira batalha doméstica para disciplinar sua filha, a insubordinada Jaqueline.