De Becky Cloonan e Tula Lotay
168 páginas
Comix Zone | 2024
Tradução: Érico Assis
Inglaterra, século XVII. Uma mulher é perturbada por sonhos que parecem cada vez mais se misturar com a realidade. Neles, uma figura sombria a seduz e a convida a conhecer o poder dos prazeres ocultos. É com esse tom onírico e sensual que Somna, de Becky Cloonan e Tula Lotay, conduz o leitor para uma trama misteriosa. O resultado é uma HQ que usa bem a mitologia construída ao redor de seu tema, mesmo que isso signifique se manter no convencional.
Histórias sobre bruxas povoam nosso imaginário há séculos. De hereges à revolucionárias, as mulheres condenadas à fogueira se tornaram um ícone. Em Somna temos uma revisita a boa parte dos elementos tradicionais sobre esse universo. Ingrid, a protagonista, é casada com o oficial de justiça da cidade e seu principal caçador de bruxas. Os dois vivem em um povoado puritano, em um contexto marcado pela religião. Quando os sonhos dela começam a se fundir com os momentos em que está desperta, as consequências são inevitáveis.
Cloonan e Lotay entrelaçam situações cotidianas ao erotismo das noites de Ingrid. Seus encontros com a criatura que a assombra se tornam cada vez mais perigosos. A ponto de o próprio leitor se questionar sobre a realidade e os rumos da trama. Embora assuma a ousadia ao criar uma história tão embebida na sexualidade de sua protagonista, a dupla de autoras não entrega mais do que o tradicional das histórias de bruxaria. O desenvolvimento dos personagens é outro ponto aquém das expectativas.
A arte é, sem dúvidas, um destaque de Somna. Enquanto Becky Cloonan desenha as cenas da realidade opressiva em que a história se passa, Tula Lotay se permite mergulhar nos sonhos da protagonista. A alternância entre os dois estilos contribui para a construção da trama e, em alguns pontos, é fundamental para o efeito misterioso obtido.
Somna passa pela liberdade sexual feminina, a tomada de consciência de seu próprio poder, enquanto permanece sem inovações ao gênero. O grande diferencial dessa história, publicada pela Comix Zone, é sua execução como quadrinho. Nesse ponto, Somna se destaca enquanto uma obra em que o que é “dito” e o que é “mostrado” ao leitor são igualmente essenciais.