Odile e os Crocodilos

De Chantal Montellier
80 páginas
Comix Zone | 2024
Tradução: Fernando Paz

Um conto soturno, desesperador e poderoso na mesma medida, Odile e os Crocodilos é como um manifesto de Chantal Montellier sobre os crocodilos que nos cercam. Publicada originalmente em 1984, a HQ contém elementos que caracterizam a carreira da quadrinista francesa e um conteúdo mais que afiado.

Odile é uma atriz que sofre violência sexual no estacionamento de um shopping, após uma de suas apresentações. Desamparada pela justiça, ela se vê assombrada por uma cicatriz. Procurar um terapeuta poderia ser uma boa forma de lidar com o trauma, e é justamente assim que a protagonista descobre o sabor viciante da vingança.

De imediato, pode parecer uma resposta simplista a uma questão tão presente na realidade de mulheres no mundo todo. Porém, à medida que a história avança, percebemos que essa é uma questão de poder. A quadrinista dá a Odile a escolha, o domínio, tudo o que ela não teve quando foi atacada. É na compreensão da personagem que mora o discurso da autora, cuja personalidade muitas vezes é vista como combativa. Diante de um mundo que oprime e explora as mulheres, Odile não parece otimista, muito menos Montellier. O que resta é a luta e Odile e os Crocodilos é uma metáfora para isso.

A arte encanta com o abuso de detalhes. Assim como em Social Fiction, o mundo parece um antro de consumo, desesperança e individualismo. Os cenários carregam detalhes que contribuem para a construção da obra, como a repetição da escultura de Davi por Verrocchio ou os números, cartazes e placas. Símbolos que compõem a ambientação, mas vão além dela.

Publicado pela Comix Zone, Odile e os Crocodilos traz nos extras uma longa entrevista com a autora. Essa é uma obra fundamental para entender sua visão, seja nos anos 80 ou hoje. Sim, desde então já avançamos, mas os crocodilos continuam sempre à espreita.