De Leonardo Melo e André Caliman
254 páginas
Independente | 2023
Um retorno à Curitiba da década de 1980, Uma Moeda Ou Um Beijo celebra a memória de Gilda, figura lendária da capital paranaense. Seu carisma ficou marcado no imaginário de quem frequentava a região conhecida como Boca Maldita, onde a travesti ameaçava dar beijos a menos que recebesse uma moeda. Sua morte é envolta em mistério até hoje, e é em torno disso que Leonardo Melo e André Caliman constroem uma trama ficcional, ao mesmo tempo que reconstroem os trechos de história deixados por Gilda.
Davi é um ex-policial, que agora atua como detetive particular, dono de uma personalidade ora cheia de si, ora autodepreciativa. É ele quem narra como foi contratado, por um grupo de amigos de Gilda, para desvendar quem poderia ter a matado, em março de 1983. São muitas as hipóteses. Segundo laudo do IML, Gilda estava muito doente e faleceu por uma combinação de doenças, como pneumonia e cirrose hepática. Mas nada tira a hipótese de um crime de ódio. Talvez, cometido por alguém que sempre a havia detestado, como Anfrísio Siqueira, um frequentador da região.
Atrás de respostas, Davi mergulha naquilo que era escancarado: uma sociedade inapta para lidar com a diversidade, que marginaliza pessoas como Gilda. Que a deixou viver nas ruas, adoecer e morrer sem ninguém por perto. O detetive confronta não apenas os suspeitos, mas a si mesmo e seus preconceitos. Em flashbacks, um passado em magenta toma conta das páginas preto e branco do da HQ. É ali que o leitor pode ver Gilda viva, sorrindo; se divertindo no carnaval; sendo presa; sofrendo com as noites frias da cidade.
Com uma narrativa ágil, bem pensada nos diálogos e enquadramentos, as mais de 250 páginas do quadrinho passam voando. A mistura entre fatos e ficção, muito homogênea, ganha detalhes com notas ilustradas, ao final da obra, explicando algumas escolhas e as fontes da extensa pesquisa.
Como uma bela homenagem a um ícone LGBTQIAP+ de Curitiba, o quadrinho dá a Gilda um olhar especial, mesmo se desdobrando a partir de sua trágica morte. É um convite à reflexão sobre o que mudou e o que permanece, desde os anos 80, mas também uma constatação de quão carismática e importante essa figura foi.