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De Rutu Modan
286 páginas
WMF Martins Fontes | 2024
Tradução: Lígia Azevedo
Túneis, a publicação mais recente de Rutu Modan (originalmente lançada em 2021), é daqueles quadrinhos em que não cabe apenas um gênero. Uma caixa não é o suficiente para o que a quadrinista isreaelense propõe nessa aventura dramática, que flerta com a sátira e com a geopolítica. Com um quê de Tintim, o quadrinho se centra na busca por um tesouro. Não qualquer tesouro, a sagrada Arca da Aliança que estaria sob o muro que separa Israel e Palestina.
A história só se torna tão cativante porque é povoada de personagens completamente equivocados. Modan monta um elenco e tanto, encabeçado por Nili, a filha de um grande arqueólogo que hoje sofre de demência. Ela quem organiza uma escavação para encontrar a Arca, afinal, enxerga nisso uma forma de recuperar o legado do pai. A empreitada se transforma em uma história de traições, encontros inesperados e descobertas. Uma maneira de a autora traduzir para uma escala menor as questões políticas e geográficas daquela região.
Não há espaço para mocinhos. Os personagens de Túneis são todos egoístas, em busca de atingir seus objetivos. As reviravoltas bem posicionadas ao longo das quase 300 páginas da HQ nos deixam cada vez mais envolvidos com a trama, que ganha novas camadas à medida que avança. É possível analisar o quadrinho como uma novela familiar que abraça o caos e se diverte com ele, ou como um tratado ácido sobre a relação de Israel com sua história, com o sionismo e suas certezas. Tudo ao mesmo tempo, com direito a gargalhadas e momentos de pura vergonha alheia. O humor é essencial para essa obra ser tão única.
O visual em linha clara, que já é uma característica da quadrinista, fortalece a conexão entre o quadrinho e clássicos franco-belgas. A isso se somam as expressões exageradas, as roupas que nunca mudam, as cores chapadas. A estética complementa muito bem toda a proposta da trama.
Publicado pela WMF Martins Fontes, que já havia lançado A Propriedade, Túneis é uma experiência e tanto de leitura. Ao “brincar” com paixões, memória e relações pessoais, Rutu Modan produz uma obra cheia de significados e possibilidades.
