Tintim vem ao Brasil, mas não do jeito que você imaginou

19 outubro 2024
Por Fora do Plástico


Tintim esteve no Tibete, no Marrocos e até em países ficcionais, como San Teodoro, mas nunca no Brasil. Até agora. O quadrinista Bruno Seelig traz o personagem clássico de Hergé a terras brasileiras, para uma aventura repleta de encontros inusitados, em “Tintin au Brésil”, que pode ser lida no site do autor, disponibilizada no dia 10 de outubro. À primeira vista, pode-se imaginar um Bruno que homenageia os quadrinhos que leu enquanto crescia, mas a história é bem diferente. “Eu conhecia Tintim, claro, mas nunca tinha lido nenhuma história completa até 2021, 2022, quando estava trabalhando noBlack Orion’”, conta Seelig, em entrevista ao Fora do Plástico.

São exatamente quatro páginas de história, mas é o suficiente para que Seelig exponha todas as suas habilidades nesse exercício narrativo, para ele, despretensioso. Tintim não está só, há Haddock e Milu, mas também Tina, Ed Mort, o Capitão de Piratas do Tietê e ainda há espaço para o Menino Maluquinho e algumas camisetas do Vasco. Essa mistura entre quadrinhos brasileiros e o clássico franco-belga segue uma regra: são todos personagens em publicação entre o período das décadas de 1960 e 1970, quando a trama é situada.

A bordo de um navio, ao retornar de uma passagem pela Argentina, Tintim acorda em meio a uma tempestade e percebe que quem ocupa o leme do barco não é o Capitão Haddock, mas sim o Capitão criado por Laerte. Sem muitas opções diante da invasão pirata, o jornalista se lança ao mar e acorda em uma praia carioca, onde começa sua aventura brasileira e as aparições especiais. “Acho que o fato de a história ser contada num flashback/sonho/paranoia-de-alguém-sem-seus-remédios facilita essa mistura toda”, brinca o quadrinista.

Ao contrário de “Asterix”, outra HQ do panteão franco-belga, a criação de Hergé nunca teve histórias assinadas por outros artistas, que não o seu criador que morreu em 1983. Não oficialmente, claro. Sua propriedade intelectual é famosa por ser muito bem protegida, seja pela Casterman, sua editora original, pela Fundação Hergé, ou pela Moulinsart SA. Por isso, não há qualquer possibilidade que a releitura de Seelig seja comercializada. O quadrinista também não cogita uma continuação, pelo risco de receber uma notificação judicial em francês, mas também por considerar essa história apenas um exercício. Algo sem pretensões para o artista, mas um deleite para o público, fãs de Tintim ou não.

Papo com o autor

Confira a entrevista na íntegra ao Fora do Plástico, em que Bruno Seelig revela os bastidores de “Tintin au Brésil”.

Fora do Plástico: Qual a sua relação com os quadrinhos do Tintim?
Bruno Seelig:
Para falar a verdade, quase nenhuma. Eu conhecia Tintim, claro, mas nunca tinha lido nenhuma história completa até 2021, 2022, quando estava trabalhando no Black Orion (o tipo de desenho do cabeçalho é claramente inspirado em Tintim). Foi quando comecei a ler, mas mais por pesquisa mesmo. Gostei, mas não virei fã. Gosto mais da estética do que das histórias.

Fora do Plástico: Quais caminhos você percorreu para tentar fazer a combinação entre Brasil e Tintim funcionar?
Bruno Seelig: Não sei, haha. Foi uma escrita muito rápida. Não exatamente um roteiro, mas basicamente quatro grandes parágrafos, narrados quase exatamente como acabou ficando no quadrinho. Mas pareceu meio óbvio que, com tantas viagens pelo mundo, uma hora o Tintim tinha que passar pela América do Sul e acabar no Brasil meio que sem querer. (Nas entrelinhas da história, Tintim estava voltando da Argentina depois de uma aventura envolvendo nazistas refugiados e tesouros da Segunda Guerra).

Fora do Plástico: Como selecionou os personagens brasileiros que seriam apresentados na história? Há algum motivo particular para a aparição de cada um deles?
Bruno Seelig: A seleção de personagens tinha que encaixar com o período histórico das últimas aventuras do Tintin. Personagens que ‘existiam’ entre 1960-70, que é quando a história é situada. Por exemplo, a Tina foi criada em 1964, como uma hippie e tal, isso quer dizer que ela tinha uma idade parecida com a do Tintin nesse período. A parte de ser jornalista descobri que veio depois, mas acabei incorporando aqui logo de cara porque era perfeito para a história. (Eu ia evitar o nome dela na história, mas acabei usando porque encaixava melhor quando retrabalhei o letreiramento pela última vez). Já o Ed Mort foi criado em 1979, isso quer dizer que em 1970, ele podia estar em começo de carreira. Mesma coisa com o Capitão, do Piratas do Tietê. Não que esse preciosismo histórico fosse necessário numa HQ como essa, mas eu não tinha interesse em usar personagens atuais/recentes, nem colocar personagens só por colocar. A história tinha que funcionar independente dos personagens que aparecessem. Até porque, no roteiro, apenas Milu, Haddock e Ed Mort são citados pelo nome. Portanto, todos os personagens tinham que funcionar como uma piada visual, sempre complementando o roteiro. Haddock e Tintim foram traídos? Eu posso encaixar o Amigo da Onça aqui. Tintim acha seu filho meio esquisito? Menino Maluquinho se encaixa perfeitamente. Ainda dei sorte porque consegui usar o nome do Ed Mort como piada na última parte. Acho que o fato de a história ser contada num flashback/sonho/paranoia-de-alguém-sem-seus-remédios facilita essa mistura toda.

Fora do Plástico: Diante da impossibilidade de comercializar a HQ, você pretende achar alguma forma de distribuir de forma impressa?
Bruno Seelig: Provavelmente não. Fiz essa HQ mais como um exercício mesmo, porque ela foi feita toda digitalmente, o que para mim foi algo inédito. Era uma ideia que eu achei que ia morrer numa gaveta, portanto, já me basta que ela exista e que as pessoas tenham gostado.

Fora do Plástico: A HQ teve ótima repercussão, você pretende fazer uma continuação?
Bruno Seelig: Definitivamente não. Sei que os herdeiros do Hergé adoram processar quem ousa desenhar o personagem mais que algumas vezes. Mas se eles toparem, eu faço Tintin e o Sumiço da Taça Jules Rimet.

Fora do Plástico: Você é do Rio Grande do Sul e não poderíamos deixar de perguntar: por que o Vasco?
Bruno Seelig: Eu morei três anos no Rio de Janeiro e a maioria dos meus amigos eram vascaínos. Por isso a homenagem. Sem falar que o uniforme em PB do Vasco encaixou muito bem no desenho (vale notar que o Haddock tá com uma camisa do Flamengo).

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