De Aline Zouvi
48 páginas
Harvi | 2022
Sincera e acolhedora, a abordagem de Aline Zouvi para suas reflexões sobre a descoberta tardia de sua homossexualidade ganha forma através de uma série de relatos curtos e devaneios. No entanto, ao tratar dessas experiências pessoais, em Não Nasci Sabendo, a autora também fala do todo. De como a heterossexualidade é compulsória, o que torna um processo de ruptura poder expressar e ser o que, de fato, se é.
Aline reflete sobre tempo perdido. Se é que é possível pensar esse tempo ou calculá-lo. Expõe também suas lembranças da relação com a avó, de quem era muito próxima. Foi dela que ouviu a palavra “coitada” para se referir a uma mulher lésbica. Coitada porque não poderia ser feliz, ter uma família. Ao mesmo tempo que revela como um olhar conservador como esse teve impacto em sua formação pessoal, a quadrinista toca nessas temáticas de forma cuidadosa e muito honesta. O tempo todo é possível notar que ela está tratando de um tema sensível para si, que ainda é latente.
Estamos diante de um texto bem ritmado, que atinge o leitor em cheio, enquanto se equilibra nos seis quadros que compõem cada página. A autora escolhe expressar visualmente esses devaneios, desenhando referências a obras de arte, livros, objetos e memórias que de alguma forma estão refletidos nos temas e situações abordados. É assim que, em uma página, vemos o pôster de Retrato de Uma Jovem em Chamas, em outra um conjunto de esmaltes que carregam nomes como “papo calcinha” ou uma reprodução da capa da revista Veja, em que a cantora Ana Carolina diz “sou bi, e daí?”. É interessante buscar e conectar essas referências, que dão ainda mais dinamismo ao relato. É como se estivéssemos vendo uma espécie de mapa visual de Aline Zouvi, mesmo que talvez não tenha sido essa a intenção da autora.
Uma publicação do selo Harvi, Não Nasci Sabendo é daquelas obras necessárias para quem também não nasceu sabendo. É uma história em quadrinhos com gostinho de ensaio, que se debruça sobre o tempo, as expectativas dos outros e o conforto de vestir, da forma mais genuína, sua própria pele.