[Exclusivo]

Editora publica mangá no Brasil sem licenciamento, para “chamar a atenção do Japão”, confira entrevista

22 abril 2025
Por Fora do Plástico


Anunciada em fevereiro, com a criação de uma página no Instagram, a editora Ao Leitor, com Carinho despertou a curiosidade do público com sua primeira publicação: o início de uma coleção de “Urusei Yatsura”. Originalmente publicada em 34 volumes, a série da autora de “InuYasha” e “Ranma ½”, Rumiko Takahashi, nunca havia sido lançada no Brasil. A edição, já impressa, à venda no site da Ao Leitor, com Carinho por R$69,70 é em formato BIG com mais de 400 páginas, o que faria a série ser concluída em 15 volumes. A novidade, no entanto, gerou dúvidas entre os leitores: como uma obra inédita de uma mangaká renomada foi licenciada para uma editora estreante, considerando a fama dos licenciantes japoneses de serem extremamente criteriosos?

Ao Fora do Plástico, o responsável pela editora, Erik Yoshitaki, confirmou que este é um projeto de fã para fã, sendo ele mesmo um colecionador desde o fim da década de 1980. A editora surgiu, segundo Yoshitaki, porque ele havia se cansado de “pedir às editoras diversas publicações e nunca ter resposta. É uma tentativa de resgatar obras queridas e apresentá-las com o cuidado que elas merecem”.

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Assim como muitas editoras que surgiram nos últimos anos, a Ao Leitor com Carinho é uma “editora de uma só pessoa”, aponta Yoshitaki. No entanto, o projeto segue em um caminho oposto quando o assunto é o licenciamento. Ao contrário das muitas pequenas editoras (que raramente publicam mangás), a publicação de “Urusei Yatsura” não possui autorização da editora original.

Erik Yoshitaki alega ter tido dificuldade no contato com a japonesa Shogakukan, detentora da licença de publicação do mangá. “Tentei contato direto com a Shogakukan no site deles, mas nunca obtive resposta. Depois de falar com muita gente, consegui o contato de um agente de licenciamento no Japão que me passou o valor do licenciamento, mas que também falou que a Shogakukan não tinha interesse em licenciar a obra para mim. Depois disso, essa pessoa nunca mais falou comigo e nem retornou outros e-mails que lhe enviei”, explica.

Edição de “Urusei Yatsura” da Ao Leitor, com Carinho

Após as respostas iniciais do editor à entrevista, que foi realizada por e-mail, o Fora do Plástico enviou mais uma pergunta para confirmar se a Ao Leitor, com Carinho havia conseguido realizar o licenciamento de outra maneira, afinal o editor afirmou não ter tido retorno dos japoneses. Em resposta, Erik Yoshitaki confirmou que decidiu publicar “Urusei Yatsura” a despeito de não conseguir sua licença. “Eu não consegui a licença, pois não consegui chegar a editora de fato. O valor que me foi passado foi por uma pessoa que se diz agente no Japão e foi muito alto e impraticável. Não tenho como confirmar a veracidade dos valores e se, de fato, o mesmo entrou em contato com a Shogakukan. Seria muito melhor ter o contato de um agente oficial aqui do Brasil, o que eu não consegui até agora. Meu objetivo com essa publicação é abrir uma fresta no mercado editorial brasileiro e sim, chamar atenção dos japoneses para mostrar que há outras editoras e projetos possíveis que eles possam querer explorar”, respondeu.

Pela legislação brasileira, publicar um mangá sem autorização da editora ou autora — mesmo com a justificativa de ser um projeto de fã — configura violação de direitos autorais. Diante da Lei Brasileira de Direito Autoral (Lei nº 9.610/1998), uma obra como “Urusei Yatsura” não pode ser traduzida, editada ou reproduzida sem a autorização da detentora dos direitos.


Abaixo, é possível conferir as respostas de Erik Yoshitaki à entrevista feita pelo Fora do Plástico, com o objetivo de compreender as motivações da criação da editora e as circunstâncias da publicação.

Fora do Plástico: Como surgiu a ideia de iniciar uma editora focada em títulos populares entre os anos 1990 e 2000?
A ideia surgiu de uma paixão antiga. Sempre fui um grande fã de mangás, animes, HQs, animações, séries, filmes e games, especialmente dos anos 80, 90 e 2000 — sou leitor e colecionador desde 1987. Essa época marcou profundamente a formação de muitos leitores e tem obras bastante originais com foco no entretenimento e diversão, carregam uma inocência muito gostosa, mas que, por diferentes razões, acabaram nunca chegando ao Brasil ou foram pouco exploradas por aqui. A vontade de revisitar e compartilhar esses títulos com novos leitores e colecionadores foi o que impulsionou a criação da editora. Me cansei de pedir às editoras diversas publicações e nunca ter resposta. É uma tentativa de resgatar obras queridas e apresentá-las com o cuidado que elas merecem.

Fora do Plástico: Você pode nos contar alguns detalhes de bastidores sobre como foram os primeiros passos da editora? É um projeto feito de fã para fã, certo?
Sem dúvida, é um projeto feito de fã para fã. No início, comecei procurando pessoas que também tivessem a mesma paixão que eu, mas ninguém teve coragem e vontade  de “colocar a mão na massa”. Procurei contatos para me ajudar a estruturar a editora, queria que fosse algo bem pessoal e que transmitisse um amor ao público da mesma forma que eu gostaria que as demais editoras tivessem conosco. Cada detalhe foi pensado com carinho — daí o nome da editora. No fim, a editora Ao Leitor, com Carinho é uma editora de uma só pessoa, porque praticamente tudo é feito por mim, com apoio pontual de profissionais como tradutores e revisores.

Fora do Plástico: O licenciamento com as editoras japonesas costuma ser referenciado como muito criterioso, até mesmo difícil. Como foi o processo para licenciar “Urusei Yatsura”, quando a Ao Leitor, Com Carinho era uma editora ainda em busca de sua primeira publicação?
Sim, o processo é mesmo bastante difícil se você não tem os contatos certos e está inserido no meio, as pessoas são muito fechadas e não te passam nenhuma informação – estou me referindo aos brasileiros. Então tentei contato direto com a Shogakukan no site deles, mas nunca obtive resposta. Depois de falar com muita gente, consegui o contato de um agente de licenciamento no Japão que me passou o valor do licenciamento, mas que também falou que a Shogakukan não tinha interesse em licenciar a obra para mim. Depois disso, essa pessoa nunca mais falou comigo e nem retornou outros e-mails que lhe enviei.

A impressão que tenho, a partir de relatos de editoras brasileiras, é que as editoras japonesas demonstram interesse em licenciar suas obras, mas frequentemente impõem diversas restrições à publicação local. E isso parece acontecer com mais intensidade no Brasil. Pelo que sei, países como Estados Unidos e França costumam ter mais liberdade criativa na produção de suas edições licenciadas, enfrentando menos interferência editorial por parte do Japão.

Daí vem a fama dos japoneses de serem extremamente criteriosos, exigentes e meticulosos. Essa postura, apesar de visar a preservação da obra original, acaba dificultando a adaptação às dinâmicas e particularidades de publicação de cada país. Além disso, essa rigidez abre espaço para a pirataria — justamente o problema que tanto desejam combater.

Fora do Plástico: Quais são os principais desafios que uma editora estreante encontra no mercado editorial brasileiro, principalmente uma editora focada em mangás?
Os desafios são muitos. Os custos iniciais para se produzir uma edição de qualidade são bastante elevados, desde a abertura legal da empresa até a viabilização logística para fazer o mangá chegar às mãos do leitor. Transformar esse sonho em algo concreto e sustentável no cenário editorial brasileiro tem sido, sem dúvida, o maior desafio.

É caro produzir uma boa edição, e ainda mais difícil conquistar a confiança do público. Muitas vezes, os leitores exigem informações, transparência e novidades, mas demonstram pouca receptividade a soluções alternativas ou a novos modelos. Paradoxalmente, acabam preferindo esperar que as grandes editoras — que muitas vezes ignoram suas demandas — tragam as respostas que gostariam de ver.

O mercado de mangás e HQs no Brasil é extremamente competitivo e dominado por grandes players como a Panini, o que torna o caminho para editoras independentes ainda mais desafiador. Soma-se a isso a instabilidade econômica do país, que dificulta o investimento em novas propostas. Por isso, optamos por um contato direto com o leitor, por meio de nossas redes sociais, como o Instagram, e em breve pelo Telegram e WhatsApp, buscando uma comunicação mais próxima, transparente e acessível.

Fora do Plástico: “Urusei Yatsura” é uma série longa, terá 15 volumes, em uma edição em formato BIG. Como é o planejamento de periodicidade para a publicação desses volumes?
Nosso objetivo é manter um intervalo de aproximadamente dois a três meses entre os volumes. Queremos garantir uma periodicidade regular, mas sem abrir mão da qualidade editorial nem pesar no bolso do leitor.

Estamos falando de uma coleção com 15 volumes em formato BIG, o que já representa um compromisso considerável para os dias atuais. A edição original de “Urusei Yatsura” foi publicada em 34 volumes tankobon — um número inviável para a realidade atual do mercado brasileiro, que carece de bancas de jornal e de uma maior diversidade de pontos de venda. Por isso, optamos por compilar a obra em 15 volumes cuidadosamente produzidos, com tiragens limitadas, equilibrando qualidade, constância e responsabilidade editorial.

Veja abaixo como estruturamos o número de páginas e capítulos para a versão brasileira.

Fora do Plástico: Vocês começaram com Rumiko Takahashi. O que os leitores podem esperar dos próximos mangás? A editora já tem mais obras licenciadas?
 A ideia é manter o foco em obras de peso, que marcaram gerações e ainda têm muito a dizer, mas que, por algum motivo, ainda não chegaram oficialmente ao Brasil ou não receberam a atenção que merecem. Queremos montar um catálogo que dialogue diretamente com a memória afetiva do leitor e, ao mesmo tempo, surpreenda quem está conhecendo essas obras pela primeira vez. Em breve teremos novidades — e esperamos que os leitores fiquem tão empolgados quanto nós.

Ainda não temos outras obras licenciadas, queremos nos concentrar em “Urusei Yatsura” para conquistar o público, chamar atenção do Japão e conquistar nosso espaço no mercado brasileiro.

Pergunta adicional, enviada em um novo e-mail, após a resposta à terceira pergunta:

Você fala sobre as dificuldades de contato com a Shogakukan e que eles nunca te retornaram, após apresentar o valor da proposta e dizer que não iriam licenciar para a editora. Você conseguiu a licença do mangá de outra maneira que não pela editora japonesa?
Eu não consegui a licença, pois não consegui chegar a editora de fato. O valor que me foi passado foi por uma pessoa que se diz agente no Japão e foi muito alto e impraticável. Não tenho como confirmar a veracidade dos valores e se, de fato, o mesmo entrou em contato com a Shogakukan. Seria muito melhor ter o contato de um agente oficial aqui do Brasil, o que eu não consegui até agora.

Meu objetivo com essa publicação é abrir uma fresta no mercado editorial brasileiro e sim, chamar atenção dos japoneses para mostrar que há outras editoras e projetos possíveis que eles possam querer explorar. Há uma infinidade de títulos japoneses que estão e continuarão inéditos no Brasil por muitos anos e talvez nem venham a ser publicados aqui devido ao pequeno número de editoras e a dificuldade que é para o surgimento de uma nova editora por diversos fatores.

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