De Mário César
336 páginas
Conrad | 2023
Em um duotone que divide o mundo em rosa e azul, Bendita Cura evidencia a binaridade de um mundo que não enxerga uma paleta de tons mais ampla. Mário César conta uma história de repressão, dor e descobertas, mas que não se resume a um retrato dolorido. Do Brasil ditatorial aos tempos modernos, vemos um menino se tornar um adulto reprimido, sob o peso da opressão familiar e religiosa. Para os pais do protagonista, um “filho maricas” não era uma opção. Devia haver alguma alternativa.
As chamadas terapias de reorientação sexual ou até de cura gay deixaram muitas vítimas, como Acácio, na história. Desde criança, ele passou a ser condicionado a ser hétero pelos pais, absolutamente religiosos. Essa pressão, que contrariava seus desejos, sua natureza, trouxe um sentimento de culpa ao jovem. Ao longo da HQ, o leitor observa uma trajetória difícil, em que ser o que se é jamais seria permitido, pela família, por Deus, até por si mesmo.
Originalmente, Bendita Cura foi publicado em três volumes, e mesmo sendo uma história longa, tem ótimo ritmo. Nos afeiçoamos a Acácio e queremos que ele consiga se libertar de toda essa trajetória de opressão. Os diálogos funcionam bem, mas há momentos em que eles parecem menos naturais. Isso também acontece com situações da obra que são usadas como alavanca para o roteiro.
O uso do rosa e do azul é muito bem executado, sempre associado às noções de feminino e masculino, subvertendo-as, quando necessário. É como se Mário César usasse os conceitos retrógrados a seu favor na construção da paleta de tons. Os desenhos cumprem bem sua função, apesar de serem um pouco estáticos. O suspense das viradas de página é usado como recurso para impactar o leitor, sobretudo quando precede páginas duplas.
Publicado em edição definitiva pela Conrad, Bendita Cura é uma leitura que não nos poupa de sentimentos intensos. Pode parecer balela ter que reafirmar que não existe cura para o que não é doença. Mas nunca é o suficiente, quando pessoas LGBTQIAP+ são ameaçadas todos os dias. Esse é um quadrinho que mostra que avançamos, mas a luta não está mesmo vencida.