De María Giuffra
152 páginas
Quadriculando | 2023
Tradução: Jotapê Martins
Lançada pela Quadriculando, A Menina Comunista e o Menino Guerrilheiro é uma leitura que mexe com o íntimo do leitor a cada página. Ao revelar histórias de crianças que tiveram suas vidas marcadas pela ditadura argentina, a obra se propõe como uma ferramenta de construção da memória coletiva e de não-silenciamento. Mesmo tão pequenos, essas meninas e meninos precisaram encarar os conceitos de desaparecimento, tortura e morte. Entre os relatos e suas próprias memórias, a artista María Giuffra expõe a crueldade sem limites do regime.
A forma como cada uma dessas dez pessoas, hoje adultas, retornam às suas infâncias é bastante particular e Giuffra destaca isso ao longo das passagens. Alguns têm lapsos de memória nos momentos mais trágicos, outros já se lembram com detalhes da perda de pais, irmãos e demais parentes, há também os que embaralham os fatos, ainda que seguros do efeito deles em suas vidas. O que há em comum entre todos é que eram filhas e filhos de pessoas consideradas subversivas pela ditadura argentina.
As marcas dos traumas, das perdas e do vazio acompanharam os protagonistas da HQ, da infância à vida adulta. É impossível não sentir sua dor e pensar que esse é apenas um dos recortes possíveis, dentro de tantos crimes cometidos pelas ditaduras que assolaram a América Latina. Essa está longe de ser uma leitura fácil.
O papel de Giuffra é, primeiro, o de ouvinte e, em seguida, de tradutora. Isso porque ela traduz em imagens as palavras de seus companheiros (sem intervenções, como aponta a autora), desenvolvendo lindos painéis, entre a abstração e a recriação de fotos. Apesar de rica visualmente, a composição é bastante carregada de texto, o que pode deixar o ritmo mais lento do que o de costume para uma HQ. São blocos extensos, divididos em meio às ilustrações. Muitas vezes, a sensação é de que estamos entre o livro ilustrado e a linguagem de quadrinhos, na linha do Heimat, de Nora Krug.
É com a memória que evitamos que os erros do passado sejam cometidos. Em A Menina Comunista e o Menino Guerrilheiro estamos diante de uma trama que nos dilacera, mas que, a partir disso, produz o efeito necessário: jamais podemos nos esquecer.